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Foto do escritorDiana Cruz

Quando o amor se torna tóxico: como reconhecer e superar

Se neste preciso momento, e desde há algum tempo, se questiona sobre se está numa relação tóxica, só tenho uma resposta para si: provavelmente, está. Por esse motivo, toda a leitura que se segue pode tornar-se imensamente desconfortável e, por momentos, desconcertante e angustiante.


Nos últimos anos, o conceito de relações tóxicas tem-se tornado corrente e familiar para a maioria de nós. Ainda bem que isso acontece, pois revela uma evolução de uma ideia estabelecida de que estar numa relação é sempre melhor do que não estar e, sobretudo, desconstrói a ideia de que o amor é sempre maravilhoso mesmo que não o sintamos como verdadeiro afeto.


Ainda assim, parece-me que explicar melhor o que são relações tóxicas ainda não é demais. Vulgarizar o tema faz-me temer que, mais uma vez, a ideia de que nem tudo o que é relação significa amor e nem tudo o que parece ser amor é aceitável, se perca.


O que são relações tóxicas


Relações tóxicas são relações em que um ou ambos os parceiros apresentam comportamentos emocionalmente e/ou fisicamente prejudiciais ao outro. Nestas relações podemos identificar vários elementos que potenciam a destruição da sua identidade e do seu projeto de vida:

  • manipulação

  • falta de empatia

  • desrespeito pelos seus limites e necessidades

  • controlo excessivo

  • ciúme exagerado ou patológico


De um modo geral, esta dinâmica relacional leva-o fazer aquilo que não quer ou com que não concorda e arrasta-o para um isolamento social muito marcado que o deixa ainda mais exposto à natureza abusiva da relação, pelo que podemos considerá-la uma relação abusiva.


Mais do que disfuncionais, estas relações são verdadeiramente impactantes na sua autoestima e energia geral. Elas criam um desgaste da sua identidade que provoca uma dissonância dolorosa entre a pessoa que conhecia em si e a pessoa que sente ser neste relacionamento. Com o passar do tempo, nota que a sua personalidade está a ser forjada, mas não consegue distanciar-se do parceiro.


Não é infrequente dar por si, por exemplo, a reincidir em comportamentos que não lhe eram característicos até então, como ignorar os seus amigos, porque o seu companheiro não gosta que fale com eles, ou mentir à sua família para evitar um evento familiar. Algumas pessoas também descrevem sentir desconfiança na relação como nunca haviam sentido anteriormente, levando-as a estar atentas aos movimentos nas redes sociais ou a pequenos pormenores comportamentais do parceiro, de uma forma que, em relações anteriores, considerariam exagerada e não corresponde ao seu padrão habitual de relacionamento.


Todas a mudanças que nota em si fazem-no sentir-se mais ansioso e crítico consigo mesmo. Sente-se inadequado e culpado por sentir e fazer coisas que não estão de acordo com os princípios e valores com os quais se identifica.


Todas as relações são dinâmicas pelo que não basta um parceiro tóxico para manter uma relação deste tipo. Em muitos casos, a um parceiro tóxico corresponde um companheiro que permanece de um modo mais passivo na relação e que sente que deve «aguentar» a relação para «ajudar» o parceiro ou porque não acredita no seu valor e merecimento o suficiente para ambicionar um relacionamento melhor.


Neste padrão, um dos aspetos relacionais mais importantes de uma relação equilibrada, a alternância de poder, não se verifica. Existe um parceiro muito mais exigente e que coloca as suas necessidades no centro da relação e existe outro parceiro, de atitude mais passiva, que aceita ter como prioridade as necessidades do outro, a regulação emocional dele e as suas exigências, de um modo geral.


Esta não é a única possibilidade quando nos deparamos com uma relação tóxica. Os relacionamentos também se podem tornar altamente tóxicos quando se estabelecem entre pessoas com traços de dependência emocional muito marcados. Com isto quero dizer que nem todas as relações tóxicas correspondem ao mesmo «tipo» de parceiros, embora todas as relações deste tipo revelem características semelhantes de desrespeito pelos limites e necessidades do outro e pela crença de que é o meu parceiro tem a obrigação de adaptar o seu comportamento às minhas necessidades e de regular as minhas emoções.


Em jeito de clarificação, em qualquer relação saudável entre indivíduos emocionalmente equilibrados existe a clareza de que a regulação emocional é uma necessidade «pessoal e intransmissível» - é a cada um de nós que cabe encontrar serenidade, alegria, resposta para as nossas questões mais profundas, a relação não está ao nosso serviço.


Com o desenrolar do tempo, as dificuldades importas pela relação e as características anteriormente mencionadas começam a ser mais claras, alterando a sua forma de olhar para a relação. A desilusão começou exatamente nesse segundo de hesitação em que começou a sentir que a relação já não era perfeita e encantada, como antes, e que o seu parceiro não demonstra, afinal, amá-la como inicialmente parecia. Vive num conflito interior atroz porque, quando tudo começou, sentia ter encontrado a sua alma gémea. Tudo parecia ser aquilo com que sempre sonhou e sentia-se «nas nuvens», nutrido no mais profundo do seu ser e muito grato por ter encontrado a relação que desejava tão intensamente. Agora, tudo parece desmoronar-se: o seu sonho que parecia ter-se tornado realidade, a felicidade pela qual tanto lutou, o seu futuro imaginado.


Em todas as histórias que ouvi, o sofrimento foi a palavra de ordem, assim como o sentimento que as pessoas que viveram relações tóxicas têm de terem deixado de ser quem são, e de esta erosão da sua identidade se prolongar muito além do fim da relação. Não existe nada mais perturbador do que deixarmos de nos reconhecer ao espelho, deixar de reconhecer as nossas rotinas e companhias habituais, os nossos gostos, os nossos objetivos e missão de vida, o nosso propósito.


Saiba que existem mais pessoas a viver diariamente com a necessidade de reconstruirem não apenas o seu quotidiano, mas também os seus projetos e objetivos de vida e, ainda mais desafiante, a sua própria identidade. Saiba também que nem sempre é possível fazer esse trabalho sem ajuda e que isso não revela nenhuma fraqueza ou falha sua; pelo contrário, as relações tóxicas podem altamente dilacerantes e isso não é algo de que se recupere sem uma abordagem completa e respeitosa para com o seu bem-estar e a sua serenidade pessoal.

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